COMO FUNCIONA? A MERENDA ESCOLAR DO CEP 22/09/2008 - 16:30

Colégio Estadual do Paraná – Ensino Fundamental, Médio e Profissional

align= center> COMO FUNCIONA? A MERENDA ESCOLAR DO CEP Por Silmara Quintino Quem acessa o nosso site com certa freqüência, deve estar lembrado de que eu havia proposto escrever semanalmente uma coluna chamada COMO FUNCIONA, na qual apresentaria vários setores que formam o CEP e que são de importância vital para o funcionamento deste espaço escolar. Embora não tenha conseguido manter o prazo idealizado, não desisti do projeto “porque sou brasileira e não desisto nunca”. Consegui um mês depois fazer uma matéria saborosíssima com as funcionárias mais amadas desta instituição escolar. E que atire a primeira pedra aquele que for capaz de discordar de que assim como a cozinha é o coração de uma casa, a merenda escolar é o coração de uma escola. Primeiramente vamos situar o leitor. O setor chamado MERENDA ESCOLAR, está localizado no subsolo do CEP em frente à Escolinha de Arte e é sem sombra de dúvidas o local mais disputado da Escola. Normalmente quando se pensa no subsolo de um prédio vem à nossa mente um local úmido, frio, escuro, semi abandonado, cheirando a mofo. Podem apagar de suas mentes essa idéia. O subsolo do CEP abriga dois dos espaços mais gostosos, vivos e alegres do colégio: a Merenda Escolar e a Escolinha de Artes, ou seja, os lugares onde alimentamos o corpo e a alma. Quer melhor que isso? A Merenda Escolar é um lugar branquinho, aconchegante porque é pequeno, com cortinas delicadas que lembram a cozinha da casa da gente, com cheiro de café passado “inda agorinha” ou de comida pronta para ser servida, quando não de bolo de cenoura com calda de chocolate acabado de sair do forno. E isto é só a parte física do lugar, nem começamos a falar das pessoas que lá trabalham. Porque entendemos que os lugares sem as pessoas, não fazem diferença alguma. Depois desta matéria saí com uma certeza: as funcionárias da merenda do nosso colégio são educadoras como nós professores (as), só que com uma calda de chocolate. Por dois dias consecutivos entrevistei as merendeiras e os alunos - assíduos freqüentadores do local. Aliás, assíduos e pontuais, coisa que me deixou bastante intrigada. Ninguém chega atrasado nem costuma faltar à Merenda Escolar ou sair de lá antes de tocar o sinal, muito pelo contrário, segundo as merendeiras é preciso insistir para que vão embora quando dá o horário de voltar para a sala de aula. Segundo o nosso aluno Ivan dos Santos Caldeira do Téc. em Edificações, os alunos da noite são em sua maioria trabalhadores que vêm para a aula direto do trabalho e a refeição da noite é de extrema importância para quem só vai chegar em casa lá pela meia noite, dependendo de onde mora. A merenda escolar tem uma função social na escola. Existem, contudo, muitas explicações que ultrapassam aquela idéia de que as pessoas viriam à escola apenas para comer. É claro que comer é algo importante, mas o alimento é mais que uma fonte de nutrição, através da alimentação o ser humano estabelece relações sociais. Quando eu estava na faculdade, fiz uma disciplina chamada Antropologia da Alimentação e julguei precipitadamente que ela apenas serviria para preencher a carga horária, pois naquele momento não via nela nada de importante em termos de explicar as relações sociais, que era na época meu único interesse. Mas como nada do que se aprende é inútil, muitos anos mais tarde, durante as entrevistas com as merendeiras, precisei recorrer às anotações da faculdade para explicar algumas relações que se dão no espaço social da merenda escolar. O ato de comer está impregnado de significados e simbologias. Não é apenas e tão somente uma questão biológica, psicológica, indicador de status, questão religiosa, estética, ou gula, mas é tudo isso ao mesmo tempo. É uma questão social. Quem me ensinou isso não foi o antropólogo francês Claude Lévi- Strauss que li na faculdade discutindo o mesmo tema, foi o Alex Pontes. Não conhecem? O Alex Sandro Ribeiro Pontes é músico da nossa Banda Sinfônica e um dos assíduos freqüentadores da Merenda Escolar. Foi ele quem me fez recordar o Lévi-Strauss quando me disse durante uma entrevista: “aqui, além de ser um espaço de inclusão social é um espaço de confraternização, de socialização. A gente vem aqui, não apenas para comer, mas para ver os colegas, conversar fora dos assuntos da escola, espairecer”. O alimento é mais que mera fonte de nutrição, é forma de socialização. Voltando às entrevistas... Na Merenda Escolar temos seis funcionárias, que se organizam em dois turnos. No período da manhã, às 06h30min a Célia e a Hilda já estão a todo vapor organizando tudo e planejando o cardápio do dia. Às 13h50min entram em cena a Itamara, a Rosi, e a Sônia que cuidarão do lanche dos turnos da tarde e da noite. No turno da noite o time é reforçado pela Rita. É uma equipe bastante integrada, disposta e muito bem humorada. O trabalho do primeiro turno acaba às 15h30min e do segundo turno às 22h50min. Quem está aqui há mais tempo é a Rosi Caetano que já trabalha no Estadual do Paraná há 14 anos e na Merenda Escolar há 09 anos. Antes de ser merendeira e de trabalhar no Estado, a Rosi era sua própria patroa e tinha uma loja de roupas. No mesmo turno da Rosi trabalha a Itamara Cavallin que já trabalhou na Cooperativa dos Bancários antes de ser nossa merendeira. Também neste turno trabalha a Sônia do Espírito Santo que há 16 anos trabalha em colégios e há 10 meses no CEP. Por ser um turno bastante movimentado, o noturno tem também a Rita de Cássia Rigoni que antes de ser merendeira era uma especialista em beleza. Pela manhã temos a Hilda dos Santos que é uma cozinheira de mão cheia e sempre trabalhou em restaurantes antes de trabalhar como merendeira e a Célia Vidal que trabalhava num orfanato como auxiliar de cozinha e que por facilidade no trato com as crianças foi transferida para o berçário. É apaixonada por crianças e adora cozinhar. Ambas estão aqui há pouco mais de um ano. Para organizar a entrevista fizemos algumas perguntas para elas para quebrar um pouco o gelo e depois as deixamos falar à vontade. A respeito da importância da merenda escolar, todas responderam que a merenda servida é um complemento da alimentação de casa. Isso ocorre em alguns períodos como à tarde principalmente, porque em outros casos a merenda é fundamental representando a alimentação principal do dia. Sobre isso as funcionárias da manhã falaram a respeito de como se sentem tristes pelo fato do Tribunal de Contas ter suspendido o almoço. Para o Tribunal de Contas, o fato do CEP não ser um colégio que oferece educação integral não lhe permite servir almoço e jantar. Segundo a legislação não se pode gastar dinheiro com merenda e com almoço e janta, pois isso significaria aplicar dinheiro público duas vezes na mesma função. Elas afirmam que não entendem de leis, só entendem de comida nos pratos dos alunos. E têm total convicção de que muitos alunos não têm condições de se alimentar em casa devido às atividades que exercem no período da tarde como estágio, cursos ofertados pelo CEP em contra turno, ou são atletas, etc. Nos contaram também que existe uma prática desde que cessou a oferta do almoço, que é esquentar a comida que os alunos trazem. Eles chegam pela manhã, antes da aula, deixam seus potes com a comida e vão para aula. Descem na hora do almoço e recebem sua comida quente. Houve alguns acidentes com alguns potes na hora do aquecimento, porque nossos fogões são industriais e então elas decidiram parar de aquecer a comida. Foi uma “choradeira geral” e elas acabaram voltando atrás. Agora existe uma outra prática. No começo eram mais ou menos quinze agora já passam de cinqüenta alunos que trazem sua comida para esquentar. Como são muitos os potinhos, é preciso que eles sejam identificados nas tampas e os alunos aproveitam a ocasião para escrever além do nome, sempre um “recadinho do coração” para as funcionárias. Segundo elas, é um momento bem gostoso quando pegam os potes e lêem os recadinhos do tipo: “valeu, tia, um abraço!” ou “Tia eu te amo, obrigada por esquentar minha comida”. “Tia você é demais, valeu, uhu!!!” “O preferido da Tia Hilda e da Tia Célia. E coisas do gênero. Perguntei a elas se consideram que seu trabalho na Merenda tem caráter educativo e elas responderam todas sem hesitar que sim, pois além de preparar e servir a comida, corrigem, cobram o comportamento dentro e fora do refeitório. Se vêem coisas que não são permitidas como cigarro ou baralho cobram dos alunos e sempre são atendidas. Mas além dessas cobranças elas disseram que mesmo fora dos portões da escola aqui nas imediações do Colégio quando vêem um aluno com o uniforme do Colégio passando por algum “apuro” como sentir-se mal, ser assaltado ou apanhar durante uma briga, sempre interferem e chamam ajuda porque como disse a Rosi carinhosamente, “vestiu o uniforme do Colégio, é nosso e tem que ser cuidado”, e todas as outras merendeiras concordaram. Fiquei impressionada com o comprometimento de nossas merendeiras. Depois disso nem precisava perguntar, mas mesmo assim perguntei como era o relacionamento entre alunos e funcionárias e a resposta foi puro “confete”. O que foi mais engraçado é que cada qual rasgou elogios para os alunos do seu turno. “Ah, todos são bonzinhos e bem educados, mas os da manhã são os mais queridos” disse a dupla que trabalha pela manhã. “Ás vezes tem um ou outro que não está num bom dia e responde mal, mas isso só no período da manhã porque os da tarde são mais bagunceirinhos, mais agitados, mas são os mais queridos” disseram duas funcionárias da tarde. “Ah, não, todos podem ser muito queridos e coisa e tal, mas mais respeitosos, prestativos e carinhosos que os alunos do noturno, duvido que tenha! Para você ter uma idéia, eles sempre querem ajudar a carregar as panelas, não deixam um grão de arroz em cima das mesas, se por um acidente derramam alguma coisa no chão ou na mesa já vêem pedir um pano para limpar, e às vezes até se oferecem para ajudar a lavar os pratos. É uma gente muito educada, tanto faz que seja moço ou moça”. Adivinhe se for capaz qual é o turno em que trabalha a funcionária que disse isso? Parabéns acertou. É no noturno. Saí de lá com a certeza de que nesta escola só estudam “anjos”. E o confete nesta entrevista teve mão-dupla. Perguntamos aos alunos sobre o tratamento dispensado a eles pelas merendeiras e foi a mesma coisa. Todas são boazinhas mas as do seu turno são sempre as melhores, as mais simpáticas, mais carinhosas, se às vezes aparece uma “meio estressada” , com certeza é do outro turno, porque as “tias” do turno deles são sempre 100%. Perguntei a elas qual a maior dificuldade na realização de seu trabalho e todas afirmaram que na Merenda Escolar não há grandes dificuldades. Segundo elas duas coisas colaboram para que não haja dificuldade: a primeira é que todas são amigas e colaboram umas com as outras, a segunda é serem coordenadas pela Raquel que na opinião delas é a melhor chefia que tem aqui dentro do CEP, pois ela sabe cobrar com firmeza mas com muito jeito, “a Raquel é mais uma amiga que uma chefe” disse a Sônia e todas concordaram. É um setor onde existe autonomia, cooperação e solidariedade. “Se alguém está com problema de coluna, por exemplo, as outras se mobilizam para fazer o serviço mais pesado”, pois sabem que sempre poderão contar umas com as outras. “Aqui não tem fofoca e as novidades já chegam velhas, porque quase não temos tempo para ouvi-las”, disse a Rosi. Insisti no assunto, mudei a maneira de perguntar e joguei a seguinte questão: se vocês fossem o governador do Estado e pudessem mudar alguma coisa aqui na merenda para melhorar o que mudariam? As funcionárias da noite disseram que aumentariam o tempo de intervalo do noturno para que os “meninos” pudessem comer com mais tranqüilidade, sem ter que “engolir” a comida e subir correndo para a aula. As funcionárias da manhã disseram que se fossem governadoras poderiam mandar nas leis e voltariam a servir o almoço para os seus “meninos”. Uma das funcionárias respondeu que se ela fosse o governador certamente pensaria em coisas grandes, reformas enormes e gastos enormes, mas como “a gente é pequena” diz ela, “pensa em coisas pequenas”. “Eu, por exemplo, variava a alimentação e serviria em cada horário as coisas que eles gostam mais”. “Você sabia que os alunos da tarde não gostam de lanches doces?” Quando o lanche é salgado comem e repetem, mesmo que seja sopa. Quando é doce olham e vão embora, não gostam nem mesmo das queridas barrinhas de cereais que os alunos da manhã adoram – conta a Itamara e eu estava lá para confirmar. Por falar nisso os “loucos por barrinhas” inventam mil e uma formas de tentar enganar as merendeiras. Voltam ao final da fila, entram na fila da outra merendeira, vêm de boné e depois sem boné, com óculos escuros e sem, prendem e soltam os cabelos, se enrolam em cachecóis, tudo para conseguir mais uma. Quando são repreendidos, fazem cara de triste e dizem: ah, tia mais a gente gosta tanto de barrinhas!!! E adivinhe se depois da confissão não ganham outra? Uma outra função da Merenda Escolar é ser consultório sentimental. Ás vezes chegam alunos aos prantos por decepções amorosas e lá vão elas servir um chá que cura desde dor de dente até paixão recolhida. O chá na verdade é sempre o mesmo o que muda é a conversa que acompanha o chá. Esta sim é que cura. “Às vezes eles chegam com problemas de família, de dinheiro, brigaram com alguém na escola ou fora da escola e precisam só de um pouco de atenção. Depois disso saem dando beijos e agradecendo. Adolescente é assim mesmo: são difíceis de levar, tem que ter jogo de cintura, não adianta chegar impondo, mas se você conquista o respeito deles, um olhar mais sério já basta”, conta a Hilda. Enfim, procurei sintetizar da melhor maneira que me foi possível o local que nossos alunos elegeram como o mais importante da escola. “Eu nunca vi uma escola sem intervalo e sem merenda, a senhora já viu”? – respondeu um aluno do Ensino Médio do turno da tarde quando eu lhe perguntei qual a importância da Merenda Escolar para ele. Foi uma entrevista longa com muitas risadas, regada a café quentinho e arroz doce. Por um momento me senti como se não estivesse no colégio, mas num local à parte onde as pessoas desconhecem as disputas internas e os problemas da escola e exercem sua função com a maior seriedade e o maior carinho para melhorar a vida de todo mundo que por ali passa. Pessoas que fazem o melhor que podem para contribuir com sua parte para o desenvolvimento da instituição que muitas vezes não reconhece devidamente a sua importância. Encerro essa matéria lembrando que nem só de professores e alunos é feita uma escola. Há mais gente entre o céu e a terra trabalhando com amor pelo CEP do que possa imaginar a nossa “vã Filosofia”. CLIQUE AQUI PARA VISUALIZAR AS FOTOS.
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